Afetividade entre Professor e Aluno

AFETIVIDADE ENTRE PROFESSOR E ALUNO NUMA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA

 

 

Autores:

 

Larice de Sousa Rodrigues.

Graduada em Psicologia; Pós- graduada em Saúde Publica; Mestranda em Educação.

Contato:  laricesousa2008@hotmail.com;

 

Francisco Roberto Sousa

Professor Orientador da Anne SullivanUniversity

 

 

 

RESUMO

 

Propomos analisar, nesta pesquisa, os vínculos afetivos entre professor/a e os alunos no processo de ensino e aprendizagem do Ensino Fundamental. O contrato pedagógico, ainda que focado na dimensão cognitiva, não pode negar os vínculos afetivos nele presente. O problema é saber quais vínculos afetivos contribuem e quais impedem o avanço da aprendizagem dos alunos. Os estudos de Freud - acerca dos efeitos do inconsciente – e os estudos de Piaget, - acerca das fases do desenvolvimento cognitivo do ser humano – serão os parâmetros desta investigação. Tal relação pedagógica necessita ser estabelecida de forma saudável, onde o educador consiga estabelecer regras, limites e ajudar o educando a lidar com suas frustrações. Deste modo, cabe ao docente se pautar por uma ética – ainda não codificada pelos profissionais da pedagogia – deve contribuir também para o desenvolvimento de alunos com personalidades emocionalmente equilibradas.

Palavras-chave:Afetivo. Professor. Aluno. Pedagógico.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Os laços afetivos que constituem a interação Professor-Aluno são necessários à aprendizagem e independem da definição social do papel escolar, ou mesmo um maior abrigo das teorias pedagógicas, tendo como base o coração da interação Professor-Aluno, isto é, os vínculos cotidianos. (AQUINO, 1996).

Conceituando o termo afetividade encontraremos algumas fontes que consideram essa relação um fator importante ao desenvolvimento humano ao nos referendar com base nos estudos de Henry Wallon, a teoria que desenvolveu como psicogenética expõe sua visão sobre a contribuição da afetividade para o desenvolvimento humano.

Nesse sentido temos uma definição formal que não permite chegar a um conceito final do termo afetividade, já que o ser humano é facilmente afetado pelo mundo externo. Segundo Wallon (2005 apud BRUNO, 2012), o meio molda a personalidade do ser humano, pois o modo como este reage a determinadas situações de afeto depende do mundo que o cerca.

As pessoas, geralmente, reagem de acordo com o meio que as cerca e esse meio tem influência direta sobre suas percepções de mundo e atuação nele em suas atuações materiais e imateriais, tanto positivamente quanto negativamente. Ou seja, se no convívio social, escolar ou familiar ocorrem situações onde não há demonstração de afeto e atenção por parte das pessoas envolvidas nesse processo, por exemplo, na escola onde professores e funcionários não estabelecem boas relações afetivas, as crianças tendem a se reservar, ocultando seus verdadeiros sentimentos.

Conforme Saltini (2008), a presença do amor, da aceitação e acolhimento na vida da criança pode despertá-la para a curiosidade e aprendizado, estendendo-se ao longo de sua vida, para que a criança possa reproduzir aquilo que recebeu na infância. Entretanto, as demonstrações de afeto devem estar presentes em todas as instituições pela criança frequentadas, visto que a escola não é o único meio no qual ela está inserida. Na educação, a escola é quem melhor pode promover experimentação e expressão do valor da coletividade na individualidade de cada um, participando do cotidiano e produzindo conhecimentos por meio do afeto (CUNHA, 2010).

 

 

 

REFERENCIAL TEÓRICO

 

 

Primeiro, observamos a etimologia da palavra “afeto”, que é originaria do latim afficere, que tem como significado – afetar, causar impressão física ou moral, comover positiva ou negativamente (LALANDE, 1993). Para Freud, afeto expressa qualquer estado penoso ou agradável, vago ou qualificado que se apresenta sob a forma de uma descarga maciça de sentimentos positivos ou negativos (amor ou ódio). O afeto é a expressão quantitativa da quantidade de energia pulsional e das suas variações. Ou seja, em psicanálise, quanto mais os afetos são antigos primitivos, mais eles se separam das representações correspondentes.

 

Como os afetos não são recalcados no Inconsciente, mas sim “apenas os significantes que o amarram”, sua manifestação agradável ou desagradável depende da qualidade das relações humanas com o Outro. Ou seja, a representação de amor ou raiva adquirido pela criança na relação com sua mãe tende adquirir autonomia, isto é, pode constituir uma gama de sentimentos expressos para além desta mãe. Tais sentimentos – do mais agradável ao mais insuportável – tende a se manifestar por uma descarga emocional violenta, física ou psíquica, imediata ou adiada (LAPLANCHE; PONTALIS, 1970, p. 34-36; CHEMAMA, 1995, p. 10).

 

A psicanálise estabelece distinção entre a representação inconsciente e o sentimento inconsciente. "A representação inconsciente, uma vez recalcada, permanece no sistema inconsciente como formação real, enquanto ao afeto inconsciente apenas ali corresponde um rudimento que não conseguiu desenvolver-se". Porém,[...] “os afetos seriam „reproduções de acontecimentos antigos de importância vital e eventualmente pré-individuaiscomparáveis a acessos históricos, universais, típicos e inatos” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1970, p.35).

Aplicando este conceito à prática docente, observamos que o professor na relação com os alunos, desperta neles sentimentos conscientes e inconscientes, ao mesmo tempo. Primeiro, porque o/a professor/a ocupa um lugar de autoridade (autoridade docente/ autoridade do saber), cuja função é ensinar os conhecimentos aos alunos.

Segundo, porque esta relação contínua de exercício cognitivo desperta as experiências subjetivadas em cada aluno, que trazem inconscientemente resquícios da autoridade primordial. Nesta condição, cabe ao professor responder aos alunos (se for possível responder sutilmente a cada aluno) de forma solidária, respeitosa ou afetivamente calculada, por um lado, procurando deixar de lado suas expectativas inconscientes para com aquele aluno, e, por outro, procurando estabelecer uma relação profissional, que, obviamente envolve aspectos de sua história subjetiva e estilo pessoal.

Esta tomada de consciência por parte do docente é importante para propiciar ao aluno oportunidades de reavaliação de seus sentimentos e necessidades, oportunizando um crescimento sadio e equilibrado nas dimensões cognitivas e afetivas. No fundo, essa tomada de consciência docente é necessária para estabelecer limites diferenciados na relação entre ele e cada aluno.

Para a psicanálise, afetividade é o conjunto de fenômenos psíquicos manifestados sob a forma de emoções ou sentimentos e acompanhados da impressão de prazer ou dor, satisfação ou insatisfação, agrado ou desagrado, alegria ou tristeza; e afeto, o termo que a psicanálise foi buscar na terminologia psicológica alemã, exprime qualquer estado afetivo, penoso ou desagradável, vago ou qualificado, quer se apresente sob a forma de uma descarga maciça, quer como tonalidade geral. Segundo Freud, toda pulsão se exprime nos dois registros, do afeto e da representação. O afeto é a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional e das suas variações.

Freud, em 1920, diz que uma pulsão é um impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas, impulso que a entidade viva foi obrigada a abandonar sob a pressão de forças perturbadoras externas, fazendo um paralelo com a teoria de Melanie Klein encontramos o que seriam a pressão de forças perturbadoras. Para esta psicanalista, o desenvolvimento psíquico ocorre por intermédio da elaboração de experiências emocionais desde o nascimento.

O bebê compartilha com a mãe do mesmo ego, e essa idéia de unidade com a mãe que o bebê tem ao mamar no seio lhe proporciona fantasias inconscientes. Se o bebê experimenta sensações físicas de conforto a fantasia é de bem-estar, satisfação e consequentemente prazer; se as sensações físicas são de desconforto, a sensação é de desconforto, perseguição e rejeição.

As sensações de prazer ou desprazer fazem com que o ego se quebre, dando lugar ao mecanismo primitivo de defesa, onde de um lado fica o que é mau – medo, ansiedade e frustração – e de outro, o que é bom – gratificação ao carinho recebido. A angústia nasce neste momento por saber que precisa de outras pessoas para satisfazer suas necessidades e que o outro, diferente do eu, não poderá satisfazê-lo de acordo com seu desejo. A busca pelo seio ideal, aquele que lhe transmite amor e a angústia que este mesmo objeto lhe traz forma a base para o ideal do ego e do superego e impede, ainda na primeira infância, que o mal prevaleça.

Ortiz et al. (2004) analisam as origens da vida social e emocional e os fatores que intervêm no estabelecimento de um laço afetivo seguro ou inseguro. Para eles, o vínculo emocional mais importante na primeira infância, é o apego que a criança estabelece com uma ou várias pessoas do sistema familiar. Três componentes básicos são distintos neste vínculo: a) condutas de apego (de proximidade e interação privilegiada com essas pessoas); b) representação mental (as crianças constroem uma idéia de como são essas pessoas, o que podem esperar delas) e c) sentimentos (de bem–estar com sua presença ou ansiedade por sua ausência).

O objetivo do apego, que tem a função adaptativa para a criança inserida em seu contexto, é favorecer-lhe a sobrevivência, buscando a proximidade de seus cuidadores e de proporcionar-lhe segurança emocional, transmitindo-lhe aceitação incondicional, proteção e bem-estar. A ausência ou perda das figuras de apego é percebida como ameaça, sinalizada como situação de risco, de desproteção e desamparo.

Quando a criança nasce e até aproximadamente o terceiro mês de vida, demonstra claras preferências pelos estímulos sociais da própria espécie (rosto, voz e temperatura humanas) e logo estabelecem associações entre eles. Porém é o estimulo recorrente de algum elemento, como traços do rosto da mãe, maneira de acalentar, ou da associação entre estes estímulos que a faz sentir-se adaptada. São os ritmos biológicos que ditam a adaptação do adulto à criança.

Entre o terceiro e o quinto mês, a criança demonstra preferência pela interação com os adultos que normalmente cuidam dela e apresenta-se mais adaptada, flexível quanto aos seus ritmos biológicos, mas ainda não rejeita aos cuidados oferecidos por desconhecidos, portanto, ainda não “avaliam” perigos potenciais.

Na segunda metade do primeiro ano de vida, percebe-se que o sistema de apego está formado quando as crianças manifestam clara preferência por suas figuras significativas e repelem os desconhecidos. Neste momento, podem até mesmo evocar as figuras de apego, graças às capacidades de representação, de permanência da pessoa e de memória. Demonstra reações de protesto e ansiedade nas separações e de alegria e tranquilidade nos reencontros, assim como apresenta condutas para procurar ou manter a proximidade destas pessoas, que usa como base para explorar o mundo físico e social.

As novas capacidades de locomoção, verbais e intelectuais promovem um grau de independência das figuras de apego, e baseadas na própria experiência de retorno destas, as separações breves são melhores aceitas. Não exige mais o contato físico tão estreito e contínuo e tornam-se mais independentes na conduta exploratória. Todos estes ganhos podem ativar as condutas exploratórias em momentos de aflição, reagindo de forma similar a como se fazia nos primeiros anos de vida.

As situações de separação, o desejo de participar da intimidade dos pais e as rivalidades fraternas produzem os conflitos afetivos mais importantes neste período, que devem ser contornadas com a demonstração de disponibilidade e acessibilidade das figuras de apego, sempre que a criança apresentar fragilidade.

O modelo interno de relações afetivas é o conjunto de experiências de apego estabelecidas na primeira infância e servem de base para as relações afetivas posteriores, quando a forma de interpretar e de organizar guia a própria conduta. O tipo de relação mãe-filho ou pai-filho não depende somente da sensibilidade materna entendida como traço de personalidade, mas também da sensibilidade como padrão de conduta no contexto desta relação. A sensibilidade da figura de apego aqui é entendida como a disposição de prestar atenção aos sinais da criança, interpretá-los adequadamente e responder a eles rápida e apropriadamente.

Reconhecendo as características dos padrões de apego, é possível identificar o tipo de interação mãe-filho desta relação. São estes os padrões de apego citados por Ainsworth (1978, p. 110):

 

a)Apego seguro: caracteriza-se por uma exploração ativa em presença da figura de apego, ansiedade (não necessariamente intensa) nos episódios de separação, encontro com a mãe caracterizado por busca de contato e proximidade e facilidade para ser reconfortada por ela. b) Apego ansioso-ambivalente: caracteriza-se pela exploração mínima ou nula em presença da mãe, uma reação muito intensa de ansiedade pela separação, comportamento ambivalentes nos reencontros (busca de proximidade combinada com oposição e cólera) e grande dificuldade para ser consolada pela figura de apego; c) Apego ansioso-evitativo: Se caracteriza por uma escassa ou nula ansiedade diante da separação, pela ausência de uma clara preferência pela mãe frente aos estranhos e pela evitação da mesma no reencontro (distanciando-se dela, passando longe ou evitando contato visual); d) Apego ansioso-desorganizado: caracteriza-se pela desorientação que as crianças apresentam nos reencontros. Estas crianças aproximam-se da figura de apego evitando o olhar, podem mostrar busca de proximidade para, repentinamente, fugir e evitar a interação, manifestando movimentos incompletos ou não-dirigidos a nenhuma meta e condutas estereotipadas. Crianças que foram vítimas de episódios de negligência e maus-tratos físicos podem apresentar tal conduta, que se evidenciada quando a criança experimenta ciclos de proteção e ao mesmo tempo de rejeição e agressão.

 

As mães das crianças com apego-seguro apresentam-se eficazes na hora de regular a atividade emocional da criança, interpretar seus sinais, responder de modo contingente, sem intrusividade, e na manutenção da interação. São aquelas que avaliam positivamente suas próprias relações de apego infantis, sentem-se aceitas por seus pais e conscientes tanto das relações positivas como das negativas de sua infância, não sentem rancor de seus pais, nem os idealizam. A criança neste tipo de relação forma um modelo interno que lhe permite antecipar e confiar na disponibilidade e na eficácia materna e em sua própria capacidade para promover e para controlar as interações, além de sentir prazer com estas.

No tocante às mães das crianças qualificadas como ansiosos-ambivalentes, estas são afetuosas e se interessam pela criança, mas tem dificuldades para interpretar os sinais dos bebês e para estabelecer sincronias interativas com elas. A ambivalência surge da incoerência que às vezes demonstram: em alguns momentos reagem positivamente e em outros insensivelmente, assim desenvolve nas crianças ansiedade que ativa intensamente o sistema de apego e inibe a exploração, pois estas ficam em dúvidas quanto à proteção que podem realmente contar, além de demonstrarem raiva intensa e persistente diante da frustração que sentem pela indisponibilidade da mãe.

Já as mães das crianças evitativas se caracterizam pela irresponsabilidade, impaciência e rejeição. São pouco pacientes e tolerantes com os sinais de necessidade de seus filhos, ao ponto de impedir que as crianças se aproximem delas. As mães de filhos ansiosos-desorganizados podem ser aquelas que não tiveram resolvidos o luto pela morte de um ente-querido ou afastamento deste e expressam um grau de ansiedade que gera temor na criança. Podem praticar maus-tratos e/ou rejeitarem seus filhos, produzindo assim uma vinculação de aproximação/evitação tornando a base de segurança também uma fonte de alarme e inquietação.

O vínculo emocional que os pais estabelecem com seus filhos serve como modelo para seus relacionamentos futuros, seja no convívio familiar ou extra familiar. Crianças com conduta de apego-seguro mostram maior capacidade para compreender as suas próprias emoções, apresentam conduta amigável e maior disposição em expressar estado de ânimo positivo frente às frustrações que surgem nas relações sociais.

 

As interações que surgem da conduta apego-seguro é a reciprocidade, a compreensão e a empatia e por intermédio destas relações, acaba-se interiorizando uma idéia sobre si mesmo, uma auto-estima, uma capacidade de iniciativa, de curiosidade e de entusiasmo que são muito valorizadas pelos iguais (Coll, et. al., 2004, p.227).

 

 

A personalidade de cada indivíduo se desenvolve sofrendo influências genéticas e ambientais, o que torna cada pessoa diferente. Entendendo que cada ser participa ativamente de seu mundo social e que obtém seus conceitos mediante as suas relações socioculturais e as influências que sofrem destas relações, entendemos que o ambiente familiar, o escolar e os outros cenários sociais participam na configuração de nossa individualidade, sejam nos traços psicológicos como nos aspectos afetivos emocionais.

O desenvolvimento da personalidade, segundo Freud, está ligado ao curso das pulsões sexuais e a forma como cada um resolve os conflitos que devem ser enfrentados nas fases oral, anal e fálica entre as pulsões libidinais as expectativas e normas sociais implicará o aparecimento e a fixação de determinados traços de personalidade que acompanharão o sujeito até sua etapa adulta (Coll et al., 2004).

A descoberta no plano psíquico do prazer obtido mediante a exploração e manipulação dos próprios genitais que se dá na fase fálica, provoca sentimentos de angústia e medo da castração no caso dos meninos e o complexo da castração no caso das meninas, denominados respectivamente como complexo de Édipo e de Electra. Os conflitos deste período surgem, essencialmente, devido ao desejo que as crianças experimentam pelo progenitor do outro gênero que fazem com que estes procurem conseguir uma relação privilegiada com um em detrimento do outro, provocando desta forma tensões e hostilidades na relação com o outro progenitor.

O medo do castigo e o principio da realidade faz desaparecer esses conflitos e os desejos edipianos são substituídos pela identificação com o progenitor do mesmo gênero, adotando as características e os valores predominantes destes. Com a interiorização das normas e dos valores socais predominantes no ambiente forma-se o superego. A personalidade de cada individuo é determinado pelas relações que forem estabelecidas entre o id, o ego e o superego.   

Erickson por sua vez dava maior ênfase aos fatores culturais e sociais que às pulsões libidinais defendidas por Freud. Para este nas experiências sociais vividas desde o nascimento até a morte reside um conflito psicossocial básico que deve ser resolvido entre dois pólos opostos, que são: no primeiro ano, confiança básica e a desconfiança básica nos demais; no segundo e no terceiro, entre a autonomia e a vergonha ou a dúvida; entre os três e seis anos, a iniciativa versus a culpa; dos 6 aos 12 anos surge a laboriosidade e inferioridade; dos 12 aos 20 anos, a tensão se dá entre a identidade e a confusão da identidade; dos 20 aos 40 anos, a tensão se dá entre a intimidade e isolamento; na etapa dos 40 aos 65 anos, entre produtividade e inatividade e na última parte do ciclo vital, entre integridade e desespero.

A autonomia obtida na etapa entre o segundo e o terceiro ano leva a criança a experimentar novas capacidades e destrezas e na exploração do mundo que as rodeia constatam os limites que o ambiente social põe as suas condutas. Os pais que favorecem essas iniciativas podem desenvolver nas crianças um verdadeiro sentimento de autonomia, mesmo estabelecendo certos limites. As restrições e as exigências de autocontrole excessivas desenvolvem o outro pólo que é o da culpa, podendo minguar o sentimento de autonomia e, portanto de iniciativa da criança o que poderá dificultar a aquisição dos pólos positivos das etapas seguintes.

O estágio do personalismo descrito por Wallon (1934) surge entre os três e os seis anos de idade quando a criança está voltada para a construção do eu. A crise de oposição ou teimosia dá início a este estágio quando esta ao tentar afirmar seu eu, opondo-se aos demais, procura fazer prevalecer sempre a sua vontade.

Esta oposição e negativismo que surgem destas atitudes fazem com que os adultos não demonstrem o carinho e a aceitação e, caso esta criança conte com um eu mais fortalecido, procura encontrar estratégias que lhe permitam assegurar esse afeto e a aprovação dos demais. Então, em torno dos quatro anos, surge o período da graça, quando as crianças tentam atrair a atenção dos demais e ganhar seu aplauso e reconhecimento, mostrando suas habilidades e destrezas que sentem ser admiradas pelos outros.

Quando as “graças” já não chamam a atenção a estratégia usada é a da imitação dos demais. Imitando o pai ou a mãe, em seus traços mais externos ou em seus aspectos mais psicológicos e internos as crianças garantem a aprovação dessas pessoas e do seu afeto. O processo final é o de identificação com os adultos mais próximos.

Victoria Hidalgo e Jesús Palácios (2004, p.184) concluem que em todas estas teorias apresentadas há uma coincidência unânime em assinalar os pais e o contexto familiar como modeladores do desenvolvimento da personalidade infantil:

 

A forma como os pais manejam a satisfação ou a restrição dos desejos de seus filhos (Freud), a forma como respondem a suas condutas exploratórias e as suas iniciativas (Erickson), a forma como agem diante de sua teimosia ou suas graças (Wallon), a forma como moldam com reforços diferenciais a s condutas sociais de seus filhos (aprendizagem social) são consideradas essenciais no desenvolvimento de um caráter mais acanhado ou mais onipotente, mais seguro de si mesmo ou mais cauteloso, com mais confiança ou mais inseguro.

 

Desta forma percebe-se a importância dos pais e/ou cuidadores na formação e no desenvolvimento do autoconceito e auto-estima das crianças. Uma pessoa que não possui um autoconceito adequado pode não estar aberta as suas próprias experiências afetivas, assim como uma pessoa com baixa auto-estima demonstra dificuldade em sua auto-aceitação e procura representar papéis que considera oportuno em cada momento desejando sentir-se aceita pelos demais.

A autodeterminação e a independência afetiva são afetadas negativamente pela falta de um autoconceito bem desenvolvido. O autoconceito não é algo inato, é construído ao longo do tempo, se desenvolve e evolui com características distintas em cada fase da vida do ser humano e sofre influências das pessoas significativas do ambiente familiar, escolar e social, e das próprias experiências de sucesso e de fracasso. Apresentaremos duas teorias principais sobre a formação e o desenvolvimento do autoconceito. O Simbolismo Interativo ou a teoria do espelho e a Aprendizagem Social.

Segundo a teoria elaborada por Cooley (1902) e Mead (1934), o simbolismo Interativo, o individuo se vê refletido na imagem que os outros lhe oferecem de si mesmo, como se eles fossem um espelho, e assim, o individuo acaba sendo como os outros pensam que ele é. Por esta teoria, os pais e os familiares são os que transmitem quase que exclusivamente, as informações que as crianças têm de si mesmo nos primeiros anos de vida e, na medida em que crescem apropriam-se das informações das outras pessoas, como professores e amigos.

Por esta teoria a criança se limitaria a receber influencias e avaliações passivamente e não leva em consideração a criança como ser ativo e experimentador que usa suas próprias ações e experiências como critério na formação de seu auto-conceito.

Na teoria da Aprendizagem Social, de Wallon e Vygotsky, a criança adquire o autoconceito por meio de imitação. A criança identifica-se com alguém, imita-a e absorve as características que lhes pertencem, formando um conceito parecido com o das pessoas que a cercam.

 

Em ambas as teorias, os pais desempenham um papel extremamente importante na formação do autoconceito de seus filhos. A auto-estima que as crianças desenvolvem depende das atitudes de seus pais para com elas. Filhos de pais carinhosos e afetivos costumam ter um grau maior de auto-estima do que os filhos de pais afetivamente frios e desinteressados (Sánchez e Escribano, 1999, p.19).

 

A evolução do autoconceito no enfoque ontogênico ou evolutivo se forma nas diferentes etapas do desenvolvimento, com características específicas para cada uma delas. L’Ecuyer (1985) propõe seis etapas ou pontos de referencia. São estas: de 0 a 2 anos, de 2 a 5 anos, de 5 a 10-12 anos, a adolescência (de 12 a 15-18 anos), a vida adulta (de 20 a 60 anos) e as pessoas de idade avançada (acima de 60 anos).

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Muitas vezes o professor se vê sozinho como o único agente capaz de gerir ações práticas para alcançar harmonia afetiva com os alunos, e às vezes até com seus colegas da escola. Compreender os mecanismos de identificação, transferência e contratransferência e trabalhá-los de forma adequada na sala de aula é de extrema importância para assegurar o estabelecimento de uma relação sadia entre professor, aluno e conhecimento.

            Nosso estudo não pretende apresentar uma “receita” pronta, uma metodologia específica de como agir para superar as dificuldades próprias das relações humanas, sobretudo na escola. Também, não é nosso objetivo dirigir a conduta dos professores sobre “como” trabalhar a afetividade com os alunos, pois cada relação é única, cada ser humano constrói sua personalidade de acordo com suas experiências particulares, e, especialmente na relação pedagógica cada turma é única, cada professor estabelece um tipo de relação com cada turma.

            Para que os professores aumentem a possibilidade de realizar um bom trabalho pedagógico é necessário ter consciência que as relações com os alunos obedecem a determinações do inconsciente. Muitas vezes os sentimentos afloram na relação de forma tão sutil que não são percebidos, mas eles estão lá atuando na prática docente.

            Como podemos concluir, o tempo pode passar e as dificuldades podem surgir, mas as sementes de um professor que marca a vida de seu aluno jamais serão destruídas.

 

 

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